13 de mar. de 2012

ZÉ VAI PRO INFERNO

             
                   - Tingo!
                   - Tingo não. É bingo!
                   - Não, não; é tingo mesmo. Eu tava pensando no Zé. Precisou o safardana morrer pra eu encontrar uma palavra que se ajustasse àquele...
                   - Desajustado.
                   - Justo. O sacripanta azucrinava meio mundo e...
                   - Seus talões é que tão desajustados. Desse jeito você não faz bingo.
                   - Que bingo o cassete. Falei tingo.
                   - Cê tá ficando gagá. Que catzo é esse de tingo?
                   - É uma palavra que aprendi outro dia é em rapanui, o idioma da Ilha de Páscoa.
                   - E onde é que o Zé entra nessa?
                   - Aí é que tá o busílis. Significa literalmente pegar muitas coisas emprestadas da casa de um amigo até que não sobre nada.
                   - Mas é uma pintura. E criaram o termo só pra designar o Zé?
                   - Parece, não é mesmo?
                   - Vem cá. Onde é que você desencava tanta cultura inútil?
                   - É que eu já tô de saco cheio de jogar bingo todo dia; daí, depois que o Zé morreu achei que escrever sua biografia seria um bom derivativo pro tédio.
                   - Incrível!
                   - Cê tá admirado?
                   - Nécaras! É incrível mesmo. Em todos os aspectos: Você escrever; você se preocupar com o Zé... É comovente. Dá licença... To quase ficando interessado. Em que parte cê ta?
                   - Já escreveu tudo? Todas as presepadas?
                   - Claro! Que não. Comecei pelo fim.
                   - É o fim da picada. Mas afinal até que enfim algo crível. Tua cara.
                   - Bão... Começa assim:
                   - Termina. Cê qué dizê...
                   - Calaboca! Vai escutar ou não?
                   “Zé moribundo. Uma enmerfreira gost...
                   - Enmerfreira? Que porra é essa?
                   - Neologismo. Síntese de freira com enfermeira. Mas se ficar interrompendo não vou ler merda nenhuma...
                   “... uma enmerfreira gostosinha se aproxima de seu leito de morte e lhe sussurra na orêia com uma voz quase o ressuscita:
                   - Posso ler algo para consolá-lo, irmão?
                   - Acho mais fácil – responde contendo o riso – eu consolar você, irmã.
                   - Como assim?
                   - Nada, nada, irmã; Leia pra mim o salmo 23.
                   Zé a escuta impassível até o momento em que ela (irmã Inocência) chega no trecho que diz: ... a minha vara e o meu cajado te consolarão...”
                   Aí Zé não agüenta mais e com um ultimo “não te disse?” rebenta num estertor de gargalhadas que o faz expirar com uma hedionda máscara sardônica de lascívia.    
                   Tal semblante não a deixa nada indiferente e, inconscientemente, com a maõ entre as coxas, irmã Inocência ora com sofreguidão pela alma safada do Zé sátiro.
                   Falá nele, lá vai o degas, todo pimpão pela estrada da escuridão, vez em quando soltando umas graçolas na orêia de Dona Morte.
                   De repente a estrada clareia, Dona Morte escafedeia e o Zé fica com um pé atrás. “Caralho! Isso aqui ta ficando muito fresco!” Ao dobrar uma esquina, um terror de morte lhe gela o sangue nas veias. No fim da alameda um imenso letreiro azul e vermelho sobre fundo branco:
                   “Paradise Inn. The Best Resort of U.S.A. in Heaven. Welcome!”
- Fudeu! – pensa – Isso vai ser o inferno.
- Pó pará. Nunca ouvi tanta baboseira duma vez só.
- Bingo!
- Bingo não. Tingo.
                   - É bingo mesmo. Bati!  

                   Autor: Marquinhos